20 de nov. de 2010

Confissões sob o trânsito de Saturno no Fundo do Céu


Não tão de repente assim, você começa a questionar o que tem sido sua vida até então.

As lembranças afloram, ininterruptas, você querendo ou não. Uma frase, pronunciada por um amigo, é o suficiente para que você se identifique e embarque em mais recordações. Eventos atuais forçam que você viaje ao passado. E, sempre que você acha que já chegou ao limite de sua resistência, algum outro acontecimento ou pessoa reinicia todo o processo. Lentamente, as suas fundações vão sendo revisitadas e inspecionadas.

A dor de remexer em tantos assuntos esquecidos pela poeira é inimaginável... O corpo emocional não tem noção de tempo: cada vez que você lembra, a dor é revivida, como se fosse a primeira vez. Claro que o passado não é apenas de tristezas, mas mesmo as alegrias agora trazem lágrimas aos olhos, porque remetem a um tempo que não volta mais, a uma inocência que já não existe. Muitas vezes, os companheiros de riso e de dor já não caminham neste Terra, mas brincam com os anjos. E nestes casos, a saudade tempera as lágrimas.

Como se avalia a estrutura de uma casa? O que se leva em conta nestas horas? Se você considerar apenas o que a regra dita, o que o manual especifica, corre o risco de não perceber algumas sutilezas que podem fazer toda a diferença. Talvez você deixe passar aquela tábua onde seu amigo gravou suas iniciais. Ou o papel enrolado com um desenho que seu filho colocou num dos furinhos do tijolo. Ou aquela mancha no canto da argamassa onde alguém quebrou a taça de vinho.

As lágrimas derramadas na construção contam? E o canto, a dança, o riso? O partilhar do pão na hora da marmita? As brigas quando o cansaço falava mais forte? A sensação de impotência quando não se achava solução para um problema... e a confiança que tomava conta quando a perspectiva mudava e se via a resposta?

Minha casa não é grande, nem luxuosa, nem imponente. Tem sido construída com muito, muito esforço. Eu sei que ela surpreende as pessoas da minha vizinhança, que gostariam que ela fosse igualzinha a todas as outras (e sobre isso, talvez eu fale outro dia). Ela tem muito cantos começados, que não foram levados adiante. Alguns, só ficaram no desenho da planta, como a sala do piano, que deveria ser logo ali... Outros, inesperadamente, tomam novam impulso após anos de abandono, e eis que surge um novo cômodo...

Tem dias (ou meses) em que estou mais sensível, e parece que o peso de todas as críticas desaba em meus ombros. Nestas horas, se olho para minha casa com os olhos comuns, um desânimo tão grande me invade que penso que deveria ser despejada neste mesmo instante. O que eu estava pensando quando iniciei este projeto? Como eu pude achar que tinha competência para tanto? Como eu pude deixar passar tantos erros tão primários? Quem sou eu para ocupar este espaço?

Nestas horas, me encolho num canto, e fico muito quieta. Procuro combater sozinha todos os monstros que saem da minha imaginação. E este combate não significa expulsá-los, mas convidá-los a sentar e a expor seu ponto de vista. Ouço com calma, e muitas vezes, dou razão a eles. E, aos poucos, muito lentamente, vou desnudando a alma.

Quando acho que não há mais nada a expôr (pelo menos, desta vez...) procuro aceitar aquela criatura alquebrada e os cacos de seus sonhos. E, normalmente, é neste momento em que peço ajuda e luz. Do fundo do coração, peço socorro, e colo, e amor, e perdão... Explico o quanto tem sido difícil, e o quanto me dói não ter um resultado melhor para apresentar. O quanto lamento os erros do passado, que deixaram imperfeições que não posso apagar. O quanto tenho medo de continuar errando, sempre incapaz de uma base sólida o suficiente.

Esta foi uma noite assim... Então, hoje pela manhã, enquanto minha imaginação se divertia mais uma vez, me espancando, eu consegui olhar a minha casa com os MEUS olhos. E parei de tentar conformá-la a todas as regras e instruções. Claro que há regras básicas que não podem ser desrespeitadas. Mas eu falo aqui daquelas normas bobas, tacanhas, aquela coisa de "porque sempre foi feito assim". De repente, sempre foi feito assim porque nunca ninguém se atreveu a tentar diferente.

Quando não se possui a matéria prima necessária, há que se improvisar. De tanto experimentar, acaba-se descobrindo novos materiais, mais duradouros, mais sólidos, mais eficientes. Minha casa talvez não seja o que se esperava dela. Ela pode não satisfazer as expectativas de quem olha de fora, julgando pela fachada aquilo que não compreende. Mas eu, que vivo aqui, sei que construí algo que vai durar eternamente. Nada neste mundo tem tanta importância.
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5 comentários:

Atravessada disse...

Quando ouvimos nossa alma e conseguimos comunicá-la muito provavelmente encontramos identificação.
Isso aconteceu conosco e apenas quis registrar.
Sigo seu site há um tempo porque ele é rico e generoso.
obrigado!
Também queria registrar isso.

Mara disse...

Atravessada, seja bem-vinda! Este espaço é tecido com muito amor, e é gratificante saber que está cumprindo seu propósito. Obrigada pelo incentivo!

marilene disse...

Procurando compreender a passagm de Saturno no Fundo do Céu encontro sua experiencia. Bacana. Um abraço.

Mara disse...

Marilene, seja bem-vinda! Fico feliz em ajudar.

Anônimo disse...

Atravesso esse trânsito e, não raramente, me pego sozinha viajando pelos anos que já se foram, revisitando pessoas e fatos da vida. Muitas vezes me causa aborrecimento perceber o quanto fui ingenuamente irresponsável. Via de consequência, sinto raiva de todos que estavam ao meu lado, pois embora "amigos", nunca me sinalizaram sobre o modo como conduzia minha vida. Sinto raiva dos meus pais, e sinto MUITA raiva de mim. E então, tento juntar todas as impressões (esses"cacos do passado") pra - quem sabe - fazer certo dessa vez.